terça-feira, 4 de novembro de 2008

A Eternidade e o Desejo

Este livro foi meu primeiro encontro com a Inês Pedrosa, até então desconhecida. Foi amor à primeira vista.
O romance, ambientado no Brasil, conta a história de uma professora portuguesa que se apaixona por um brasileiro e por conta de um acidente, perde ao mesmo tempo seu grande amor e sua visão. Ela então volta à Bahia depois de muito tempo, para percorrer os passos do Padre Antônio Viera, cujos sermões (alguns trechos) são citados no decorrer do livro. A escrita de Inês Pedrosa é apaixonada, de uma poesia que realmente encanta. O livro é belíssimo.

"Como se, de súbito, te estivesses esmagado pela intraduzível vastidão do teu olhar. O que se vê nunca se pode narrar com rigor. As palavras são caleidoscópios onde as coisas se transformam noutras coisas. As palavras não têm cor - por isso permanecem quando as cores desmaiam. Percebo o teu aturdimento: como se traduz a visão? Como se emprestam os olhos? Impossível. Ainda por cima num aeroporto, onde tudo é movimento; o movimento entorpece o acontecer das coisas. Conta-me só a verdade, Sebastião. O que sobra daquilo que vês." 

[...] Peço-te que não me conte histórias de despedidas. Veja-as à transparência das vozes, no recorte bruto das frases interrompidas, entrecortadas de tristeza. Peço-te que olhes para o que fazem as pessoas felizes - são essas que preciso de ver. Dizes-me que te peço demasiado, que a felicidade não se vê" (pág 14/15)


"Não, não vês, como eu não via. Pertencer a um país que de antigo se tornou velho também não ajuda a ver. Só através dos olhos desse António que veio do Brasil eu comecei a ver. Nos olhos dele aprendi a ler Vieira, como no seu corpo aprendi a saborear o desejo infinito, o desejo como experiência da eternidade. Para essa experiência não tenho palavras. Nem sequer silêncio. Dessa experiência, sobrou-me o que sou."  p.26

"Como te posso ajudar, Sebastião? Pelo toque, dizes tu. Os tecidos devem escolher-se pelo toque. E pelo cheiro. Como a pele. Nada demora tanto a esquecer como a pele. De qualquer maneira, Sebastião, eu visto-me quase sempre de branco. É menos fácil enganarmo-nos, de branco. Queres oferecer-me uma blusa de renda da Bahia. Recuso a oferta, insistes: deixa-me, deixa-me. Dá-me esse prazer. Sim, porque não te hei-de dar esse prazer? O prazer que se pode dar acalma as tempestades humanas; mas o prazer que se recebe e guarda nunca mais nos deixa serenar."  p.59

Um tal de mar

Tenho encontrado coisas bonitas assim:

"Tem 38 anos, Bartleboom. Ele pensa que em algum lugar, no mundo, encontrará um dia uma mulher que, desde sempre, é a sua mulher. De vez em quando amargura-se pela obstinação do destino em fazê-lo esperar com tanta indelicada tenacidade, mas com o tempo aprendeu a considerar o fato com grande serenidade. Quase todo o dia, agora já faz anos, pega a caneta na mão e escreve-lhe. Não tem nomes e não tem endereços para colocar no envelope: mas tem uma vida para contar. E a quem, senão a ela? Ele pensa que quando se encontrarem será bonito pousar em seu colo uma caixa de mogno cheia de cartas e dizer-lhe
- Estava à sua espera.
Ela abrirá a caixa e lentamente, quando assim quiser, lerá as cartas uma a uma e subindo um quilométrico fio de tinta azul pegará para si os anos - os dias, os instantes - que aquele homem, antes ainda de conhecê-la, já lhe apresentara. Ou talvez, mais simplesmente, virará a caixa e atônita diante daquela engraçada nevasca de cartas sorrirá dizendo para aquele homem
- Você é louco.
E para sempre o amará."

Baricco, Alessando. Oceano Mar. São Paulo: Iluminuras, 1997. p.24