domingo, 4 de outubro de 2009

Das coisas que não voltam mais.

"Os livros contraem-se assim irremediavelmente, tragicamente. Não importa por onde comece a contaminação; há um cheiro, um restolhar de papel, e depois a gulodice alastra. Começa-se a ler muito antes de se saber localizar literaturas, nomes, gêneros, e há nesse estrebuchar inicial qualquer coisa de sublime que definitivamente se perde quando crescemos e aprendemos a selecionar o bom e o mau.
Lembro-me de vaguear inebriada pelas prateleiras das livrarias, folheando as prateleiras de baixo à procura do livro que eu queria e não sabia qual era, revoltada com a ideia de que talvez o tal livro estivesse nas prateleiras de cima. Lembro-me dos dias em que um título, uma frase, me faziam trazer para casa ratoeiras onde os dedos se estalavam e os olhos esmoreciam. Lembro-me de contar os dias que faltavam para a próxima mesada, jurando a mim mesma que desta vez não me precipitaria. Lembro-me, sobretudo, daquela rapariga de dezoito anos que nunca mais voltei a ver".

Inês Pedrosa. A instrução dos amantes. Ed. Planeta, 1992. p.102-103.

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