domingo, 24 de outubro de 2010

A trégua

É isto mesmo uma trégua?

Apesar de ter o mesmo título, esse livro não tem semelhança nenhuma com A trégua do meu querido Mario Benedetti. Primo Levi foi um judeu italiano que foi preso em Auschwitz, o famoso campo de concentração nazista na época da guerra. A questão é que ele "sobreviveu" ao campo de concentração (e o livro nos faz pensar muito se é realmente possível sobreviver a tanta barbárie) e depois disso, como que para se libertar do sofrimento imenso que essa experiência lhe causou, ou pelo menos tentar, ele escreveu vários livros sobre o assunto.

Comecei por A trégua porque julguei que não seria tão pesado assim, já que ele narra os acontecimentos a partir do dia que a guerra acabou e que ele foi libertado. Um engano. Porque eu ingenuamente pensava que os sobreviventes voltaram para seus lares imediatamente após o término da guerra, e finalmente teriam um pouco de paz, mas não foi isso que ocorreu. Ele só conseguiu retornar para a Itália meses depois e, quando foi libertado, doente tanto fisicamente quanto emocionalmente, sem dinheiro, sem roupas adequadas, sem sapatos, tendo que caminhar no frio (e o frio da Polônia quer dizer neve) e lidar com a burocracia dos "vencedores", pois a dificuldade de voltar para sua terra natal era imensa devido ao rigor nas fronteiras, ao impecilho do idioma e também à natureza humana, entre outras coisas.

Um livro que me deixou sem dormir ontem, e que me levou às lágrimas algumas vezes, mas que considero indispensável. Não só para quem se interessa pela cultura e história da Alemanha (tenho tentado ler mais sobre o assunto para entender um pouco mais sobre o que escrevem os autores alemães, porque eles carregam esse peso e isso se reflete muito na literatura alemã, o que nem sempre a gente compreende), mas para todos nós, para que essas coisas nunca mais se repitam, para que a gente reflita sobre os absurdos da natureza humana.

Agora estou me preparando (e preparando as lágrimas, porque está aí um tema que acaba comigo e que dói demais de ler) para ler "É isto um homem?", livro do mesmo autor que narra todo o período em que o autor esteve preso em Auschwitz. Um dos relatos mais importantes sobre o Holocausto. Recomendo, mas aviso aos corações sensíveis como o meu que se preparem.

"Na subida para a fronteira italiana o trem, mais cansado do que nós, partiu-se em dois, como um fio demasiadamente esticado: muitos ficaram feridos, e essa foi a última aventura. No meio da noite, passamos o Brenner, que tínhamos atravessado para o exílio vinte meses antes: os companheiros menos sofridos, em alegre tumulto; Leonardo e eu, num silêncio transido de memória. De seiscentos e cinquenta, todos os que então partíramos, voltávamos três. E quanto perdêramos naqueles vinte meses? O que encontraríamos em casa? Quanto de nós fora corroído, apagado? Retornávamos mais ricos ou mais pobres, mais fortes ou mais vazios? Não sabíamos; mas sabíamos que nas soleiras de nossas casas, para o bem ou para o mal, nos esperava uma provação, e a antecipávamos com temor. Sentíamos fluir nas veias, junto com o sangue extenuado, veneno de Auschwitz: onde iríamos conseguir forças para voltar a viver, para cortar as sebes, que crescem espontaneamente durante todas as ausências, em torno de toda casa deserta, de toda toca vazia? Logo, amanhã mesmo, devíamos lutar contra inimigos ignorados, dentro e fora de nós mesmos: com que armas, com que energia, com que vontade?" [página 211]

LEVI, Primo. A trégua. São Paulo: Companhia de bolso, 2010.

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