quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Todo o amor do mundo


Viva Gabriela

Quando em livrarias, nunca perco a chance de olhar pelo canto do olho para ver o que o vizinho na fila está levando. Pode ser uma promoção que eu não vi; pode ser um autor que ainda não conheço; pode ser apenas por curiosidade mesmo, porque um livro diz muita coisa sobre aquele que o lê. Hoje foi a vez de presenciar uma cena que partiu meu coração.

Gabriela, uma menina de 6 ou 7 anos, pedia aos pais para comprar um livro para ela. Abri um sorriso. Há coisa mais linda que uma criança pedindo para ler um livro? Por livre e espontânea vontade? Mas os pais de Gabriela, sem apreciar a situação com os mesmos olhos, diziam que não, que ela não leria o livro. Fiquei chocada. Em tempos em que fazemos de tudo para que as crianças apreciem a leitura, não consegui entender aqueles pais. A professora em mim sentiu vontade de chamar os dois para uma conversa, aquele puxão de orelha bem educado que, com o tempo, aprendemos a dar nessa profissão. Sim, pais também podem precisar de um puxão de orelha, e isso tem acontecido com cada vez mais frequência. Mas a leitora em mim sofria junto com Gabriela, porque não há coisa pior que desejar um livro e não poder lê-lo. Fiquei tão revoltada com a cena que não conseguia me desligar do que acontecia. Principalmente porque dinheiro não parecia ser o problema ali.

Por sorte, Gabriela não desistiu. Andava de um lado para o outro, entre o pai e a mãe, implorando pelo livro. Eu torcia por Gabriela. Com argumentação forte, quase indiscutível, Gabriela estava ganhando: “mas pai, você não disse que eu tenho que ser mais esperta? Que eu preciso aprender a responder melhor quando me fazem uma pergunta? E quando eu quero ler um livro você não o compra para mim?” Sem resposta, o pai cedeu, enfezado. Gabriela não me parecia em nada uma criança que não sabe responder perguntas. “Pode levar o livro, Gabriela”, finalmente disse o pai. “Mas você vai ter que me contar a história, para provar que leu e entendeu”. Senti uma vontade de comprar o livro do Daniel Pennac (Como um romance, L&PM, 2008), para dar de presente a esse pai, depois de tantas demonstrações de nada saber sobre a leitura, aquela verdadeira, aquela por amor, a que não deve satisfações a ninguém e verdadeiramente motiva as pessoas a continuar a ler durante toda a vida.

Respirei fundo enquanto pensava, como um mantra: a filha não é sua, Paula, não se meta. Quando achei que o assunto estava resolvido, escuto uma nova discussão. Lá estava Gabriela, com um segundo livro na mão. O pai, bravo, dizia que não levaria mais nenhum; a mãe, segurando um romance nas mãos, tentava ajudar Gabriela: é que a menina queria levar dois livros, e os pais, no máximo, levariam um só. A menina justificava a compra do segundo volume: “mas pai, eu estou tão curisosa para saber o que acontece! Por favor, compra para mim!” O pai, irritado, dizia que não e ponto final. Gabriela, determinada, apelou para a mãe: “mãe, meu pai é muito pão duro! Por favor, compra esse livro para mim, eu estou muito curiosa para ler! Ele compra um e você compra o outro!” A mãe parecia estar sensibilizada com a filha, mas apoiou o pai e aconselhava a menina a levar o primeiro, que parecia mais interessante. Um só, Gabriela. Não teve jeito. Gabriela continuou argumentando, mas viu que era melhor garantir um dos dois. Para meu espanto, a mãe dizia que o livro era muito grande e que ela não conseguiria ler. A menina respondia determinada: “já li livros muito maiores do que esse. E eu queria muito ler o outro também, vocês deviam comprar os dois!” A menina já estava mais conformada com um livro só, mas não desistia de argumentar. Jorge Amado ficaria orgulhoso, Gabriela.

Confesso que senti vontade de comprar o livro para a menina, mas fiquei com medo da reação dos pais, talvez eles se ofendessem com o meu gesto. Fiquei pensando na benção que é gostar de ler e queria muito ter dito a Gabriela que estava orgulhosa. Queria ter lhe comprado o livro. Quando saí da livraria, desejei: que nunca faltem livros para crianças como Gabriela, para que elas não desistam de escolher o que lhes for interessante para ler. Torci para que logo ela aprendesse o caminho de alguma biblioteca da escola, que encontrasse algum professor que a motivasse a ler por prazer, como deve ser. E torci também para que algum dia essas crianças como Gabriela ensinem seus pais a ler.