segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A alma trocada



Em A alma trocada (2007), Rosa Lobato de Faria aborda um tema pouco explorado na Literatura Portuguesa: a homossexualidade masculina. O enredo conta a história de Teófilo, um rapaz de tradicional família burguesa, noivo de uma jovem moça por quem nada sente, mas com quem pretende se casar por conta da pressão da família, que quer que o filho assuma "o papel esperado".

"Um rasgão no peito, uma saudade de mim" e uma sensação de não pertencer ao mundo em que habitava, é como Teófilo constantemente descreve, desde o início, o processo de descoberta de sua sexualidade. Quando conhece Hugo e decide afirmar publicamente sua homossexualidade, a família não aceita bem o novo relacionamento do filho e os pais rompem relações com Teófilo, que sai de casa para viver com Hugo. Essa ruptura, ao mesmo tempo que causa grande sofrimento a Teófilo, também lhe traz grande alívio, uma vez que agora pode ser o quem realmente é, sem sentir vergonha por não se encaixar nos tradicionais papéis de gênero ou julgar que seus sentimentos são um erro. Só a avó de Teófilo lhe oferece apoio e carinho, demonstrando ter consciência de que a homossexualidade é uma orientação e não uma opção e que deseja ver o neto feliz.

O preconceito, ainda muito presente em nossos dias, é abordado por Lobato Faria neste romance que tem um tom bem folhetinesco. A experiência da autora escrevendo para a TV está presente nesta narrativa que apesar de simples tem todos os elementos de uma novela, com romances, traições, uma grande vilã, e um final feliz. Outros assuntos também são abordados, como a incidência e o preconceito em relação à AIDS entre os homossexuais, a possibilidade de uma configuração de família diferente da tradicional e também a formação desse jovem escritor.
Um romance simples, sem grande complexidade, que achei interessante ler apenas por tratar dessa temática pouco abordada e por ser uma autora de quem eu ainda não havia lido nada.

FARIA, Rosa Lobato. A alma trocada. Portugal: Leya Bis, 2013. 1ª edição: 2007.

Rosa Lobato de Faria foi uma atriz, escritora e autora de canções, nasceu em 20 de abril de 1932, em Lisboa, mas ficou com muitas ligações ao Alentejo devido a laços familiares. Fez sucesso como atriz de teatro, cinema e televisão e como autora de canções. Já com uma longa carreira em outras áreas culturais, em 1995 estreou na escrita de romances com O Pranto de Lúcifer, seguindo-se, sucessivamente, Os Pássaros de Seda (1996), Os Três Casamentos de Camilla S. (1997), Romance de Cordélia (1998), O Prenúncio das Águas (1999), A Trança de Inês (2001), O Sétimo Véu (2003), Os Linhos da Avó (2004), A Flor do Sal (2005), A Alma Trocada (2007), A Estrela de Gonçalo Enes (2008) e As Esquinas do Tempo (2008). Faleceu em 2 de fevereiro de 2010, aos 77 anos.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Provavelmente alegria


[pág. 48]

Na ilha por vezes habitada do que somos, há                                        
noites, manhãs e madrugadas em que não
precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente
e entra em nós uma grande serenidade,
e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la
nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável:
o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com
a paz e o sorriso de quem se reconhece
e viajou à roda do mundo infatigável, porque
mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem
milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago. Provavelmente alegria. Porto: Porto Editora, 2014.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O meu amante de domingo


E a noite roda foi uma das boas surpresas de 2013 e eu estava ansiosa para ler o tão aclamado O meu amante de domingo. Foi bem diferente do que eu esperava, mas gostei bastante da leitura. A escrita da Alexandra Lucas Coelho tem vida, intensidade, desejo. Muitas vezes é como uma conversa que nos envolve e faz o tempo passar sem nos darmos conta. É uma escrita ousada e irreverente, sem papas na língua. Sim, há muitos palavrões que podem assustar os leitores mais sensíveis. Mas a leitura flui e ficamos quase sempre com um sorriso nos lábios. Gosto da força do texto de Alexandra, tem personalidade e coragem.
O meu amante de domingo é cheio de referências a outros livros e outros autores, algo que eu aprecio e que demonstra que, antes de ser uma grande escritora, ela é uma grande leitora. Terminei de ler com vontade de ler Nelson Rodrigues (claro que atenta ao sexismo do seu texto), Balzac e até, quem sabe, finalmente encarar o Ulysses de Joyce.
A protagonista da história, tão humana, tão mulher em suas dúvidas e pensamentos, que durante a narrativa planeja assassinar um dos seus amantes, aquele que a enganou, nos fala muito sobre o universo feminino dos dias atuais, sobre relacionamentos, traição, vingança, desejo, sexo, amor. E também sobre a escrita. E no fim a melhor vingança é aquela com que Alexandra nos presenteia: a literatura.
Infelizmente o livro ainda não foi publicado no Brasil, mas esperamos que muito em breve a Tinta da China Brasil, com essas edições lindas em capa dura, disponibilize mais livros da Alexandra para os leitores brasileiros. Por enquanto é possível importar a edição portuguesa pelo site da editora (arcando com os custos do frete).

COELHO, Alexandra Lucas. O meu amante de domingo. Lisboa: Tinta da China, 2014.