quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O ódio

O ódio                              

(Wislawa Szymborska, tradução de Regina Przybycien)
                                                                                    
Vejam como ainda é eficiente,
como se mantém em forma
o ódio no nosso século.
Com que leveza transpõe altos obstáculos.
Como lhe é fácil – saltar, ultrapassar.

Não é como os outros sentimentos
a um tempo mais velhos e mais novos que ele.
Ele próprio gera as causas
que lhe dão vida.
Se adormece, nunca é um sono eterno.
A insônia não lhe tira as forças; aumenta.

Religião, não religião –
contanto que não se ajoelhe para a largada.
Pátria, não pátria –
contanto que se ponha a correr.
A justiça também não se sai mal no começo.
Depois ele já corre sozinho.
O ódio. O ódio.
Seu rosto num esgar
de êxtase amoroso.

Ah, estes outros sentimentos –
fracotes e molengas.
Desde quando a fraternidade
pode contar com a multidão?

Alguma vez a compaixão
chegou primeiro à meta?
Quantos a dúvida arrasta consigo?
Só ele, que sabe o que faz, arrasta.

Capaz, esperto, muito trabalhador.
Será preciso dizer quantas canções compôs?
Quantas páginas da história numerou?
Quantos tapetes humanos estendeu
Em quantas praças, estádios?

Não nos enganemos:
ele sabe criar a beleza.
São esplêndidos seus clarões na noite escura.
Fantásticos os novelos das explosões na aurora rosada.
Difícil negar o phátos das ruínas
e o humor tosco
da coluna que sobressai vigorosamente sobre elas.

É um mestre do contraste
entre o estrondo e o silêncio,
entre o sangue vermelho e a neve branca.
E acima de tudo nunca o enfada
o tema do torturador impecável
sobre a vítima conspurcada.

Pronto para novas tarefas a cada instante.
Se tem que esperar, espera.
Dizem que é cego. Cego?
Tem a vista aguda de um atirador
e afoito olha o futuro

- só ele.

SZYMBORSKA, Wislawa. Um amor feliz. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

domingo, 25 de setembro de 2016

Meus segredos com Capitu



Meus segredos com Capitu: livros, leituras e outros paraísos, de Ana Elisa Ribeiro, reúne as crônicas escritas por Ana Elisa no Digestivo Cultural e que abordam a temática da leitura e dos livros. É um daqueles livros que tem o que todo bom leitor gosta: a paixão pela leitura e pelos livros em cada página. Ler livros nos quais consigo sentir essa paixão no texto é sempre algo prazeroso e que me anima a convidar mais leitores para, juntos, reafirmar essa paixão que nos move pelas palavras e por sua capacidade de melhorar o mundo. Pois é, acredito que os livros tem esse papel de nos fazer pensar, de nos tornar pessoas melhores, se estivermos dispostos a isso.

Discutindo questões que envolvem o nosso dia a dia, como a nossa relação com as bibliotecas, um simples passeio em uma livraria, aquele primeiro livro comprado com nosso dinheiro, ou um café que sempre nos convida a sentar e aproveitar a leitura de um romance ou um poema, Ana Elisa narra com uma linguagem muito fluida e da fácil acesso questões presentes na vida de qualquer leitor ou leitora. Ela também aborda questões que volta e meia reaparecem nas manchetes, sobre as novas mídias e o formato digital dos livros e como isso afeta nossa relação com os livros impressos – além de falar um pouco sobre seu primeiro contato com grandes nomes da literatura e como surgiu seu encanto por eles, e também sobre a sua relação com a escrita e a publicação de seus textos, entre outras coisas.


São crônicas ótimas para  novos e antigos leitores, podendo ser trabalhadas na escola, ainda que a autora chame a nossa atenção para o fato de que muitas vezes as leituras obrigatórias da escola acabam por tirar toda a nossa vontade de ler – mas, por ser um livro que deixa transparecer esse amor pelos livros, acho difícil não conseguir com ele chamar a atenção dos alunos para o encanto dos livros e as infinitas possibilidades que a leitura pode representar. No entanto, concordo com Ana Elisa e lembro-me do escritor francês Daniel Pennac que lança o desafio: “E se, em vez de exigir a leitura, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade de ler?” (Daniel Pennac, 2008, p. 73). Durante a leitura, foi impossível não resgatar da memória o texto apaixonado de Como um romance”, no qual DanielPennac nos contagia com seu amor pelos livros e argumenta que esse é o caminho para se ensinar literatura, compartilhando nossa paixão pelos livros e deixando que a curiosidade desperte o desejo de ler de novos leitores, afinal “Não se força uma curiosidade, desperta-se”. E acho que Ana Elisa Ribeiro faz isso muito bem. Terminamos a leitura com aquela vontade gostosa de ir até ali na estante buscar um livro favorito para reler um trecho e sentir novamente aquele afago no coração, ou então nos aventurarmos permitindo que uma nova história nos escolha.

(Em tempos tão sombrios, quando golpistas querem destruir nosso sistema educacional e retirar do currículo das escolas disciplinas tão fundamentais para a formação de nossos jovens, além de acabar com os cursos de licenciatura, uma vez que, de acordo com a medida provisória decretada essa semana não é mais necessário ter diploma para ensinar no Brasil (atentem para o fato de que essa decisão foi tomada por medida provisória, sem nenhuma consulta a especialistas no assunto ou à população), quis compartilhar esse livro que fala sobre o poder da leitura - a paixão pelos livros, que nos ensinam a ter empatia pelos outros, que nos sensibilizam para questões importantes dos seres humanos. Não se esqueçam da importância dessa liberdade de pensar criticamente sobre o mundo, que está sendo destruída diante de nossos olhos nos últimos meses. Por favor, lutem para defendê-la, por nós e pelas próximas gerações.)

RIBEIRO, Ana Elisa. Meus segredos com Capitu: livros, leituras e outros paraísos. 2ª ed. Natal: Jovens Escribas, 2015.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Tempo - Orides Fontela



TEMPO

O fluxo obriga
qualquer flor
a abrigar-se em si mesma
sem memória.

O fluxo onda ser
impede qualquer flor
de reinventar-se em
flor repetida.

O fluxo destrona
qualquer flor
de seu agora vivo
e a torna em sono.

O universofluxo
repele
entre as flores estes
cantosfloresvidas.

- Mas eis que a palavra
cantoflorvivência
re-nascendo perpétua
obriga o fluxo

cavalga o fluxo num milagre
de vida.


FONTELA, Orides. Poesia Completa. São Paulo: Hedra, 2015.

Orides Fontela (1940-1998) é uma das mais importantes poetas brasileiras da segunda metade do século XX. Da mesma geração de Paulo Leminski, Hilda Hilst, Roberto Piva e Adélia Prado, sua pequena e densa obra se sobressai pela radical modernidade e pela cortante lucidez de sua linguagem. 

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Sorteio 2 - A máquina de fazer espanhóis



Quem ganhou o sorteio foi Marina Vitale. Entrarei em contato por email com a vencedora, que tem o prazo de 7 dias para me passar o endereço para envio do livro. Caso não responda aos emails, farei novo sorteio.
Obrigada a todos que participaram.




segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Resultado do sorteio - A máquina de fazer espanhóis

Oi, gente!

Quem ganhou o sorteio foi:



Parabéns, Cleiry! Hoje à noite o Valter Hugo Mãe autografará seu livro no evento que acontece hoje em Salvador, Fronteiras do Pensamento. Entrarei em contato com você por email para pegar o endereço, logo logo seu livro autografado chega por aí :)
E obrigada aos 513 inscritos que participaram do sorteio. Até o próximo! ;)