sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Um homem: Klaus Klump

"Um homem: Klaus Klump" é o primeiro livro da tetralogia O Reino, de Gonçalo M. Tavares. É certamente um livro sobre muitas coisas, mas a narrativa perturbadora deste romance fala sobre a vida em tempo de guerra e de paz, uma alegoria da condição humana e das relações de domínio e submissão que os homens desenvolvem para sobreviver.
O enredo conta a história de um homem, Klaus Klump, que edita livros perversos. Ele não demonstra muito apreço por sua pátria ou pelas pessoas que o cercam, mas seria capaz de morrer pelos seus livros. Klaus é casado com Johana, uma mulher bonita que ama Klaus, apesar de não o compreender. A mãe de Johana é doente, enlouqueceu. É Johana quem cuida dela, todos os dias. Enquanto Klaus procura não se envolver com os problemas da pátria, porque "Não ver nada é ficar oculto", a cidade onde moram é ocupada por militares. Johana e muitas outras mulheres são violentadas pelos soldados, como sempre, as primeiras vítimas de uma guerra que transforma os homens em seres primitivos. Klaus é preso e passa anos na prisão longe da mulher. E a partir daí o que vemos é uma luta de forças, dos fortes e dos fracos que se tornam fortes, tentando a todo custo sobreviver.
O que mais chamou minha atenção neste romance foi a forma como as mulheres são retratadas na história, objetificadas, submissas, sem ter sua própria voz. A única exceção é Herthe, a jovem bonita que mantém um bom relacionamento com os soldados durante a guerra sendo amante de muitos dos líderes e que dessa forma consegue sobreviver e proteger sua família, mesmo que para isso tenha denunciado várias pessoas para os inimigos. Com isso, Herthe, a única mulher descrita como sendo forte, é também descrita como a mais vil. A violência contra as mulheres é gritante e choca o leitor até o final. Não é à toa que essa tetralogia é também chamada "os livros do mal". Mas o que Gonçalo Tavares consegue com brilhantismo nesta narrativa perturbadora é nos fazer refletir sobre o ser humano em sua essência, destacando os sentimentos mais obscuros que carregam dentro de si,  e sobre o que ele é capaz de fazer (ou de tolerar) para sobreviver. 
Um livro mais do que recomendado, mas aviso aos corações sensíveis: contém cenas fortes.

"Os tanques passam nas ruas. As ruas têm o nome dos nossos heróis. Eles não conhecem a língua: não sabem dizer o nome. Tropeçam na pronúncia, não conseguem acentuar as sílabas. E os tanques não têm tempo para aprender línguas.
Klaus deixou o seu ofício, mas apenas hoje. Trabalha numa tipografia, mais: é editor, quer fazer livros que perturbem os tanques em definitivo.
Isso não é um livro, é uma pequena bomba.
Queres perturbar tanques com prosa?"
(TAVARES, 2007, p.10-11)

TAVARES, Gonçalo. Um homem: Klaus Klump. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 115 páginas.


Gonçalo Tavares nasceu em Luanda, em 1970, tendo ido logo a seguir para Portugal. É escritor e professor universitário português. Premiado e elogiado pela crítica, estreou em 2001 com Livro da dança, e vem se firmando como uma das maiores vozes do romance português contemporâneo. De sua autoria, já foram publicados no Brasil O homem ou é tonto ou é mulher, 1, O senhor Valéry, A máquina de Joseph Walser, Aprender a rezar na era da técnica e Jerusalém (prêmio José Saramago 2005), Uma viagem à Índia, entre outros.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não sabia que esse livro tratasse de um tema tão forte. Eu comprei Jerusalém, mas esse pelo que vi é o terceiro livro. Vou anotar sua sugestão e tentar adquirir a tetralogia.

Beijo

Pipa disse...

Flávia,
Onde você conseguiu encontrar o Jerusalém para comprar? Estou desesperada atrás desse livro, ele está esgotado e preciso lê-lo com urgência para minha pesquisa. Amanhã vou garimpar umas livrarias aqui para ver se encontro algum exemplar sobrando. Se não encontrar, vou entrar em contato com você, quem sabe você não tem interesse em me vender ou me emprestar o seu? Me ajudaria muito mesmo!!!
beijo,
Pipa